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Por que é preciso rejeitar a cultura da dieta?
Atualizado: 26 de jul. de 2021
A cultura da dieta é um sistema de crenças que valoriza a magreza (e a associa com saúde), lança tendências e dita "regras" a partir de mitos propagados sobre a alimentação. Na cultura da dieta, alguns alimentos são demonizados, enquanto outros são supervalorizados, roubando a autonomia das nossas escolhas alimentares, que sempre estão sendo guiadas por regras externas impostas por essa cultura.
Por valorizar a magreza e o emagrecimento, a cultura da dieta cria o medo em engordar e promove aversão a corpos maiores, oprimindo e constrangendo pessoas consideradas inadequadas aos padrões de beleza (ou de "saúde"). A cultura da dieta ensina que o próprio indivíduo é o responsável pela sua forma corporal ou seu estado de saúde, com declarações como "é só ter força de vontade", sem considerar o importante papel que os determinantes sociais da saúde - e de outros fatores como genética, qualidade do sono, saúde mental e disfunções hormonais - desempenham tanto no estado de saúde quanto na forma corporal.
Engana-se quem pensa que a cultura da dieta só se manifesta em dietas da moda. Ela está em todos os lugares e em todas as conversas. O sentimento de culpa, a necessidade de compensação por ter comido um alimento "proibido", ou o fato de sentirmos alívio após uma intoxicação alimentar porque mesmo caindo doentes, perdemos peso, nos mostra o quão tóxica a cultura da dieta é, e nos mostram que nem é sobre "saúde e qualidade de vida", como essa cultura prega. Sendo assim, ser anti-dieta ou anti-cultura da dieta não é ir contra a saúde, é ir a favor dela. É ser a favor da libertação, da autonomia alimentar e da diversidade de corpos.
Conforme fui estudando sobre movimentos anti-dieta e sobre a cultura da dieta, um forte sentimento de indignação foi crescendo em mim, principalmente quando me deparei com a quantidade de evidências científicas de qualidade que provam que abordagens mais inclusivas e não-centradas no peso apresentam melhores resultados para a saúde física e mental de indivíduos, quando comparadas a abordagens tradicionais (focadas em peso e IMC). (¹-³)
Não só me deparei com estudos que mostram a importância de uma abordagem inclusiva e não-centrada no peso, mas também encontrei referências que mostram que os prejuízos de dietas restritivas são inúmeros, e muito mais prejudiciais do que o peso em si. (⁴-⁸)
O que mais me indignou foi o fato de que, mesmo com tantas referências de qualidade, e mesmo sendo um movimento crescente, faltavam livros sobre esse assunto para o público leigo no Brasil.
Um dos meus autores preferidos, Austin Kleon, escreve que, se não encontramos livros sobre o assunto que queremos ler, devemos escrevê-los e isso se somou ao fato de, por ser uma millennial que nasceu em plena ditatura da cultura da dieta, esse seria o exato tipo de livro que eu precisava ter lido na minha adolescência.
Orientada por uma paciente muito querida, aprendi que é possível publicar um livro de maneira independente. E depois de muita pesquisa e coragem, foi isso que resolvi fazer. A partir disso, dei o nome de "A Cultura da Dieta é Tóxica", frase que mandei escrever em cima do bolo que encomendei para o meu aniversário do ano passado, para o projeto que iniciaria com tanta energia e dedicação.
A capa do livro, feita no aplicativo Canva, foi a primeira parte do livro a ficar pronta. Usei a foto do meu bolo de aniversário e adicionei elementos que poderiam remeter à ideia de como as dietas funcionam quase que como uma religião: onde há crenças, rituais, "pecados" e muita fidelização.
Foram meses de pesquisa, muitos livros grifados e muitas abas abertas no computador. Cada capítulo foi escrito em uma página de Google Doc diferente, para facilitar a escrita e a separação de referências, e, depois de algumas crises de ansiedade e de gastrite nervosa, os documentos estavam prontos para serem editados em um programa especial da Amazon. Após a edição, o documento estaria pronto para a venda.
A parte mais difícil foi criar coragem para mostrar o livro pro mundo. Tive muito medo de como seria recebido. Encontrava mil desculpas para deixar de divulgá-lo e permanecer na minha zona de conforto. Não foi fácil escrever, editar e publicar um livro sozinha, não fica perfeito...mas pensando bem, nada e nem ninguém é perfeito. Perfeição não existe, e é exatamente isso que todos os capítulos do livro tentam mostrar!
Espero muito que este livro chegue a quem estiver precisando, e que ele contribua para que as pessoas consigam enxergar que é possível alcançar uma vida plena e saudável a partir de uma nutrição gentil e inclusiva.
Boa leitura! O livro já está disponível para compra no site da amazon.
Escrito por Ana Carolina Orsini
Nutricionista - CRN3 - 43759
@nutricaorsini
Referências úteis para se aprofundar nesse tema:
HUNGER, J. M., SMITH, J. P., TOMIYAMA A. J. (2020). An Evidence‐Based Rationale for Adopting Weight‐Inclusive Health Policy. Social Issues and Policy Review, 14(1), 73–107. doi:10.1111/sipr.12062
TYLKA TL, ANNUZIATO RA, BURGARD D, et al. The weight-inclusive versus weight-normative approach to health: evaluating the evidence for prioritizing well-being over weight loss. J Obes. 2014;2014:983495
TOMIYAMA AJ. Weight stigma is stressful: a review of evidence for the cyclic obesity/weight-based stigma model. Appetite 2014;82:8–15.
POLIVY J, COLEMAN J, HERMAN CP. The effect of deprivation on food cravings and eating behavior in restrained and unrestrained eaters. Int J Eat Disord. 2005 Dec;38(4):301-9
BACON L, STERN JS, VAN LOAN MD, KEIM NL. Size acceptance and intuitive eating improve health for obese, female chronic dieters. J Am Diet Assoc. 2005 Jun;105(6):929-36. doi: 10.1016/j.jada.2005.03.011. PMID: 15942543.
MENSINGER JL, CALOGERO RM, STRANGES S, TYLKA TL (2016).. A weight-neutral versus weight-loss approach for health promotion in women with high BMI: A randomized-controlled trial. Appetite. 2016 Oct 1;105:364-74. doi: 10.1016/j.appet.2016.06.006.
TYLKA, T., R. CALOGERO, and S. DANIELSDOTTIR. 2015. Is intuitive eating the same as flexible dietary control? Their links to each other and well-being could provide an answer. Appetite 95: 166-175.
RZEHAK P, MEISINGER C, WOELKE G, BRASCHE S, STRUBE G, HEINRICH J. Weight change, weight cycling and mortality in the ERFORT Male Cohort Study. Eur J Epidemiol. 2007;22(10):665-73. doi: 10.1007/s10654-007-9167-5. Epub 2007 Aug 4. PMID: 17676383.
KLEON, A. Siga em frente. Rocco. 2019