CBME
Uma nutricionista em meio as descobertas da atenção plena
A Nutrição era apenas uma das possibilidades presentes em meu universo no final da minha adolescência, quando decidi prestar o vestibular. Entre tantos caminhos possíveis a percorrer, na dúvida, o vestibular acabou decidindo por mim. Ser aluna de uma Universidade Pública com uma imersão integral na vida acadêmica era um diferencial e assim segui. Não tinha certeza como seria “ser um Nutricionista”. Sabia apenas que queria trabalhar com pessoas e ajudá-las a explorar melhor sua relação com os alimentos.
No início dos anos 90, a mentalidade de dieta era muito presente e o foco era quase que total na perda de peso. Terminei a graduação sem grandes habilidades para lidar com o comportamento humano e meus recursos estavam consolidados no cálculo de dietas, na contagem de calorias e na abordagem restritiva. Fui me decepcionando com a profissão, ao mesmo tempo em que presenciava as decepções e sensações de frustração, culpa e vergonha que as dietas impunham aos pacientes.
Fui saltando de um trabalho para outro em busca de satisfação e foi na área corporativa da Indústria Farmacêutica , já um tanto afastada da Nutrição , que encontrei um caminho para nutrir minha fome de aprendizagem e de me relacionar com as pessoas, deslanchando na carreira como profissional do Marketing de Relacionamento. Da área farmacêutica migrei para a área Hospitalar no mesmo campo de atuação, e foi a partir desse lugar que meus olhos deixaram de brilhar com minha profissão. Percebi que um bom salário e uma suposta estabilidade , não era mais suficiente. Queria mais que isso, queria voltar a acreditar em mim e fazer algo que trouxesse sentido para minha jornada neste planeta.
Desisti de viver no piloto automático, e escolhi viver uma nova jornada, fora do mundo corporativo. Foi neste momento que descobri a meditação e uma nova forma de reconexão. Em paralelo, uma amiga me convidou a revisitar a nutrição. Decidi levar meu olhar curioso a minha antiga profissão, procurando me despir das velhas crenças e aberta ao que poderia redescobrir.
Anos e anos haviam se passado, e fiquei surpresa como a mesma forma de nutrição ainda se perpetuava. Antigos conceitos sobre práticas de consultório, antigas crenças sobre quem era o tal do “paciente” e a imposição do saber ainda estavam presentes. O profissional nutricionista continuava sendo a autoridade, orientações vinham de cima para baixo, restrições eram ainda a fórmula mágica para a mudança, imperavam dietas e prescrições. Não havia construção de saberes nem desenvolvimento de habilidades que pudesse capacitar o paciente a se responsabilizar por sua própria saúde. Definitivamente não era o que queria fazer.
Então fui a busca de algo que estivesse fora destes antigos fazeres sobre ser um nutricionista. A meditação me seduzia e eu despertava para minha jornada pessoal, mas nunca havia nem sequer imaginado que nutrição pudesse conversar com práticas meditativas.
Foi então que despertei para essa incrível conexão através do livro “Savor: Mindful Eating, Mindful Life” de Thich Nhat Hanh escrito em parceria com uma nutricionista da Harvard University Lilian Cheung. Lá me encontrei com Mindfulness pela primeira vez , banhado por toda sua milenar sabedoria Budista. Esse livro revirou minha vida pessoal e profissional. Havia encontrado um caminho para convidar a mim mesma e ao outro a adentrar em um processo de autoconhecimento. Resgatei meus desejos iniciais de apoiar e ajudar as pessoas em suas jornadas de autocuidado e a vida recomeçou a fazer sentido.
A pausa, a mente do principiante, o acolhimento compassivo a nossas falhas, o acolher nossa humanidade e nossa enorme capacidade de cuidar melhor de nós faziam parte deste conhecimento milenar. Isto ressoava tanto em mim, simplesmente porque eu era um ser humano, e como tal vivia as mesmas questões de prazeres e dores, mas neste lugar havia também espaço para ser a aprendiz, a exploradora curiosa e observadora que tanto fazia parte da minha essência. Mergulhei de cabeça em Mindfulness: formações, especializações, retiros e principalmente em minha jornada pessoal de práticas, sem dúvida a experiência mais rica de todas elas.
Lançar as sementes da atenção plena no âmbito alimentar se transformou no meu propósito de vida, eram tantas habilidades que desenvolvi e que transformaram a minha relação com a comida e comigo mesma, que meu objetivo maior era compartilhar.
Entretanto novos aprendizados foram surgindo. Além de facilitar os programas de mindfulness haviam os desafios da clínica. Uma nutrição compassiva, um olhar além das dietas, o convite para sair do controle e estar no comando da relação com o comer faz parte dessa reconstrução que tantos profissionais como eu vêm desenvolvendo rumo a uma nova forma de fazer Nutrição. Um olhar além dos nutrientes, atento às atitudes, o pensar e o sentir desta relação com o comer.
Confiar na sabedoria interna do corpo e entender que a transformação que tanto se deseja é um processo que requer tempo e prática constante, definitivamente não é algo que se espera ouvir quando alguém decide buscar um Nutricionista. Ainda existe a mentalidade focada na perda de peso, o medo de confiar em um corpo que é foco de frustração, e o desacreditar da capacidade inata que temos como seres humanos de saber cuidar bem de nós mesmos e de ser o nosso próprio agente de transformação. É preciso desconstruir o que não nos serve mais , para permitir a entrada do novo.
Comigo não foi diferente, tive que desconstruir a nutricionista da graduação, me perder dentro do que estava aprendendo e abrir um novo espaço para a reconstrução. Neste caminhar descobri outras habilidades que hoje somam em minha trajetória profissional: autocompaixão, comprometimento, aceitação, equilíbrio emocional, tudo sempre envolto a atenção plena, ao “estar consciente de “. ao “se dar conta que”.
Sem parar, sair do piloto automático e olhar para si mesmo, não há como conhecer as reais necessidades que se escondem por detrás dos bombons de chocolate que desaparecem da caixa que mal teve tempo de repousar sobre a mesa. É deste lugar que podemos compreender o que nos é verdadeiramente significante na vida, o que faz nossos olhos brilharem, para assim termos a coragem de seguir um novo caminho alinhado aos nossos valores e ao que dá sentido à nossa vida.
E eu, tal qual meu cliente, agente ativo de transformação e não mais paciente, venho da mesma forma aprendendo a desenvolver esse olhar compassivo a minha pessoa, aprendendo a acreditar em meu potencial para estar cada vez mais próxima de quem verdadeiramente quero ser, sem culpa e sem medo , apenas sendo quem eu sou.
Mindfulness mudou minha vida completamente, aprendi a navegar e surfar nas ondas, sem me debater nelas. E que bom que a vida continua sempre me convidando a seguir praticando, pois sei que desta forma estarei sempre pronta quando a próxima onda chegar ☺
Valéria Bordin – Julho 2021 @valeriabordin.mindfuleatingbr
Nutricionista e Especialista em Mindfulness pela UNIFESP
Instrutora de Mindful Eating ( Protocolo ME CL) & de Mindfulness ( MBHP)